Ao anunciar, no dia 3, que 52% dos veículos vendidos na Noruega em 2017 foram elétricos ou híbridos, a associação empresarial do setor de transporte rodoviário OFV iluminou o modelo que faz do país escandinavo líder mundial em mobilidade renovável.
Com seus 5,2 milhões de habitantes, a Noruega está perto da meta de 100% das vendas de veículos com emissão zero de carbono nos próximos sete anos – até 2025.
O paradoxo norueguês é que a conversão da frota para combustíveis limpos é financiada pelas receitas da poderosa indústria nacional de petróleo e gás, a maior da Europa, com produção de 1,16 milhão de barris/dia em 2016.
Essas receitas permitem ao governo central e às autoridades municipais conceder – há quase 30 anos – um generoso conjunto de incentivos aos veículos elétricos e híbridos (ver abaixo).
FUNDO SOBERANO
Embora provoquem uma renúncia fiscal de 3 bilhões de coroas norueguesas (kr) por ano, equivalentes a R$ 1,2 bilhão, esses incentivos são compensados com folga pelos lucros da exploração de óleo e gás.
A Statoil – a Petrobras norueguesa – é uma das maiores petrolíferas do mundo, com 21 mil funcionários e atuação em mais de 30 países, inclusive no pré-sal brasileiro.
A empresa foi criada em 1972, sob controle do Estado, para explorar as imensas reservas do Mar do Norte e do Mar da Noruega.
Há dois anos, tem sido duramente criticada por entidades ambientalistas, como o Greenpeace, por iniciar a exploração no Mar de Barents, a cerca de 400 km das geleiras do Ártico.
Sabiamente, em 1990 o governo do país criou um fundo soberano para o qual transferiu todas as receitas de petróleo e gás de sua estatal, sob rígidas regras de compliance.
Em setembro de 2017, o fundo soberano tornou-se o segundo maior fundo de investimento do mundo, com ativos no valor de US$ 1 trilhão.
É com essa gigantesca poupança que o governo sustenta os programas sociais e ambientais que, desde 2001, garantem à Noruega a liderança do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU.

Plataforma da Statoil no Mar da Noruega: financiando a transição ao transporte limpo
INCENTIVOS
A Associação Norueguesa do Veículo Elétrico (Norsk Elbilforening) listou os principais incentivos aos veículos de baixa emissão de carbono no país:
-Isenção do imposto sobre a compra de bens não essenciais (Purchase Tax) ) para elétricos/híbridos – 1990;
-Redução do imposto anual sobre circulação de veículos em rodovias (Road Tax) – 1996;
-Isenção de pagamentos de pedágios nas estradas – 1997;
-Estacionamento livre em todo o país – 1999 (medida revista em 2017, cabendo a decisão final a cada cidade);
-50% de redução de impostos para a compra de frotas elétricas pelas empresas – 2000;
-Isenção do VAT (equivalente ao ICMS) na compra ou leasing – 2001/2015;
-Circulação liberada nos corredores exclusivos de ônibus – 2003;
-Acesso livre nas balsas – 2009.
O país também criou um sistema de tributação especialmente desenhado para penalizar os veículos a combustíveis fósseis e estimular os elétricos e híbridos.
O imposto sobre a compra (Purchase Tax) é calculado com base numa combinação do peso do veículo, emissões de CO² (gás carbônico) e NOx (óxidos de nitrogênio).
As isenções permitem que o consumidor norueguês adquira um elétrico ou híbrido quase pelo mesmo valor do preço de importação do veículo.
Exemplo 1:
Um e-Golf da Volkswagen (o elétrico/híbrido mais vendido no país em 2017) tem um preço de importação de 259.900 coroas norueguesas (R$ 104.200) e pode ser comprado por kr 262.300 (R$ 105.182).
Já o Golf convencional a combustível fóssil, importado por kr 180.624 (R$ 72.448), tem de pagar as taxas de peso, de CO² e NOx, mais 25% de VAT. Sai para o comprador por kr 298.300 (R$ 119.678).
Exemplo 2:
Um Audi A7, a gasolina ou diesel, é importado por kr 319.464 (R$ 128.232). Com todas as taxas, sai para o consumidor por mais do que o dobro: kr 697.300 (R$ 279.896).
Já um Tesla Modelo S, um elétrico puro equivalente em luxo e potência, é importado por kr 636.000 (R$ 255.226), chegando à concessionária por apenas kr 638.400 (R$ 256.189).
NÚMEROS
Mas os números divulgados no último dia 3 pela associação empresarial OFV (Conselho Informativo do Tráfego Rodoviário, na tradução do norueguês) podem não ser precisos.
Ao anunciar que os veículos de baixo carbono representaram 52,2% das vendas totais do país em 2017, a OFV incluiu na conta os elétricos puros (20,9%), os híbridos com motores elétricos plug-in, ou seja, que podem ser conectados a um eletroposto (18,4%), e os híbridos cujos motores elétricos não podem ser conectados (12,8%).
O respeitado Instituto Internacional de Energia (IEA), órgão de pesquisa vinculado aos países da OCDE, tem uma metodologia diferente.
Seus pesquisadores excluem da conta os híbridos não plug-in, chegando a um resultado para as vendas de elétricos/híbridos que ainda não ultrapassou os simbólicos 50% do mercado.
Segundo o IEA, em 2016 as vendas de elétricos/híbridos na Noruega corresponderam a 29% do mercado local (e não a 40%, como diz a OFV) e, em 2017, a 39% (e não a 52%).
Ainda assim, tal desempenho garante ao país nórdico a liderança mundial isolada na corrida pela mobilidade sustentável, muito à frente de qualquer outro como proporção do mercado local.
Em 2016, segundo o IEA, os primeiros colocados no ranking de participação de elétricos e híbridos plug-in sobre as vendas totais de veículos de cada país eram os seguintes:
País Elétricos/híbridos plug-in no mercado local
Noruega 28,76%;
Holanda 6,39%:
Suécia 3,41%;
França 1,46%;
Reino Unido 1,41%;
China 1,37%;
Estados Unidos 0,91%;
Alemanha 0,73%;
Canadá e Japão 0,59%.
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