“O Brasil é um fóssil; ainda está atrás da energia do pré-sal”

A crise dos caminhoneiros exibiu ao Brasil e ao mundo a aguda dependência brasileira do transporte movido pela velha indústria do petróleo, diz o vereador paulistano Gilberto Natalini (PV).

Ele defende políticas públicas para mudar a matriz de combustível dos veículos leves e pesados e do transporte público nas grandes cidades.

“Do ponto de vista dos combustíveis fósseis, o Brasil é um fóssil. Ainda está atrás da exploração do pré-sal, quando o mundo inteiro busca alternativas energéticas ao combustível fóssil” – disse, em entrevista ao site da Eletra.

Se isto já tivesse acontecido – acrescentou  – a crise atual não teria sido tão grave em São Paulo e no país.

Natalini é um dos autores da Lei 14.933/2009 e da Lei 16.802/2018, as duas legislações municipais mais avançadas do país para mudar a matriz energética do transporte público.

É também um dos líderes ambientalistas mais conhecidos de São Paulo e do Brasil. Médico militante até hoje, foi secretário municipal do Meio Ambiente de São Paulo.

No caso da nova lei paulistana, que deve obrigar à troca do diesel por combustíveis renováveis na frota de ônibus, o vereador diz que cabe à Prefeitura regulamentá-la e colocá-la em prática sem hesitação. “Caso isso não seja feito, o caminho é a Justiça”.

Íntegra:

ABVE-A greve (ou locaute) dos caminhoneiros mostrou um Brasil vulnerável aos transportes baseados em combustíveis fósseis, como o diesel. Como evitar que futuras crises como essa voltem a paralisar o país?

Natalini – Infelizmente, o Brasil sempre anda atrás do seu tempo. O país se debruçou na sua matriz hidrelétrica, e as medidas do governo para avançar rumo a outras fontes de produção de eletricidade têm sido lentas. E são mais baseadas na iniciativa privada do que propriamente em políticas públicas do governo brasileiro. Do ponto de vista dos combustíveis fósseis, o Brasil é um fóssil. Ainda está atrás da exploração do pré-sal, quando o mundo inteiro busca alternativas energéticas ao combustível fóssil. A eletricidade para mover veículos de pequeno, médio e grande porte é uma alternativa limpa para o mundo inteiro.

ABVE-O que é preciso fazer?

Natalini – Temos de investir numa matriz de ferrovias, que podem usar a eletricidade com muito mais facilidade. Temos de investir em caminhões e veículos movidos a eletricidade, ou em outros combustíveis mais limpos. Se já tivéssemos feito isso, não seríamos tão dependentes do preço do petróleo e da queima de um combustível que só tem trazido malefício ao planeta.

ABVE – Em 2009, o sr. foi um dos responsáveis pela Lei 14.933, que fixou para até 2018 a conversão de todos ônibus a diesel para elétricos na frota paulistana. Se a lei tivesse sido cumprida, o transporte público não teria sido afetado em São Paulo. O que tem a dizer sobre isso?

Natalini – Vi com pesar a atitude do Poder Público municipal da época de descumprir a Lei de Mudanças Climáticas, para a qual trabalhei aqui na Câmara com muito afinco. Naquele ano (2009), conseguimos 54 votos, de um total de 55! Infelizmente, o Artigo 50 da lei, que previa a troca dos motores a diesel dos ônibus urbanos, não foi cumprido. Por esse motivo, em 2017 a Câmara foi obrigada a rever aquele artigo e dar mais prazo para essa troca, por meio de outro projeto aprovado em dezembro, do qual também fui um dos articuladores. Conversei com técnicos, com a indústria, com as ONGs, com os fabricantes de veículos elétricos e outros tipos de motores, e fizemos um substitutivo. A nova lei foi sancionada em janeiro (Lei 16.802/2018), e suas metas ambientais e recomendações já fazem parte do novo edital de licitação divulgado pela Prefeitura em abril para renovar a frota de ônibus. Isso foi um avanço importante para a cidade ficar menos dependente do combustível fóssil, trocar a matriz energética do transporte, limpar o ar que respiramos e emitir menos gases do efeito estufa.

ABVE-Desta vez, a nova lei ambiental vai “pegar”?

Natalini – Fiz uma representação no Ministério Público contra a gestão anterior da Prefeitura porque ela não cumpriu a Lei de Mudanças Climáticas. A partir da minha representação, o promotor criou um grupo de trabalho, que resultou na nova lei aprovada no final do ano passado e sancionada em janeiro. Essa lei cuida exatamente de regular a mudança dos combustíveis na frota de ônibus urbanos, ônibus intermunicipais e veículos que prestam serviços à Prefeitura, como os caminhões de lixo. Agora, estamos trabalhando junto à Prefeitura para que ela seja regulamentada. O prazo é até julho. Se o Executivo não cumprir o prazo estipulado pela própria lei, nós obviamente tomaremos as medidas legais cabíveis. Vamos cobrar até a última gota.

ABVE– O que a Câmara Municipal pode fazer para que a nova lei não vire letra morta?

Natalini – A Prefeitura nos informa que essa regulamentação é difícil tecnicamente, e nesse aspecto ela tem razão. Mas ela tem um corpo técnico competente. Percebo uma certa demora do Executivo, e estamos vigilantes. Já mandei ofícios cobrando o sr. prefeito e os secretários da área. Já conversei no Ministério Público. Estamos também chamando a opinião pública e a sociedade civil para que nos ajudem a fazer a pressão legítima para que o Executivo regulamente essa lei. Caso isso não seja feito, o caminho é a Justiça.

ABVE- Até agora, a conta da paralisação dos caminhoneiros já passou de R$ 13 bilhões, só em subsídio ao diesel. Não é um contrassenso subsidiar um combustível fóssil e poluente quando a maioria dos países já aposta firmemente nas energias renováveis?

Natalini – Não é só contrassenso. É burrice e um atraso histórico. O Brasil ainda está na metade do século 20, do ponto de vista da produção de energia. Temos a vantagem de nossas hidrelétricas, que são antigas, funcionam, fornecem mais de 60% de nossa eletricidade. Mas, além delas, qual foi o caminho que o governo escolheu nas crises recentes? As termelétricas. E a queima de gasolina, querosene e óleo diesel nos motores da frota nacional de veículos. O Brasil pouco avançou para substituir a sua matriz energética. Defendo a produção de eletricidade por meio de células fotovoltaicas e outras tecnologias, como a eólica – que, aliás, tem crescido no Brasil mais por conta do investimento privado do que por incentivos de políticas públicas. Como já disse, o governo está no rabo da história, não está à frente dos acontecimentos que têm mudado o mundo. O Brasil ainda acredita que o pré-sal é a salvação do país! Quando pudermos extrair todo o potencial do pré-sal, o mundo já estará viajando em outras fontes de energia, muito mais modernas e menos poluentes.

ABVE-Qual é a sua proposta para mudar essa realidade – em São Paulo e no Brasil?   

Natalini– É a pressão política sobre os governos, o Congresso, as empresas que produzem energia no Brasil e a Justiça. Temos de unir um grande número de pessoas. Temos de formar uma massa crítica forte, coerente, para exigir que o governo brasileiro mude a sua atitude com respeito à produção de energia. Estamos passando vergonha perante o mundo pela falta de coragem do nosso governo de trocar a matriz energética. Não é fácil, mas é possível.

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